O Pedido de Socorro que Terminou em Bala: A Falência do Manejo de Crise no Brasil

Em Porto Alegre, uma família fez o que nos ensinam a fazer em momentos de desespero: pediu ajuda. O resultado foi a morte de um jovem por um policial militar. Este caso é o exemplo mais doloroso da incompatibilidade entre a lógica da segurança pública ostensiva e o cuidado em saúde mental.

No contexto da violênci, a letalidade policial no Brasil atinge recordes anuais, vitimando desproporcionalmente jovens negros. Mas há um subgrupo nessas estatísticas: as mortes durante crises de saúde mental. A família do jovem buscou a Rede de Proteção e encontrou o braço armado do Estado. Isso gera o que chamamos de desamparo aprendido na comunidade: o medo de pedir socorro é maior que a esperança de ser salvo.

Na visão da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT): podemos analisar do ponto de vista da inflexibilidade e trauma. O que vimos na ação policial foi uma rigidez psicológica extrema. O protocolo militar, focado no confronto "inimigo vs. herói", é incapaz de praticar a Tomada de Perspectiva, para decidir as atitudes mais compatíveis que requerem a situação, essencial para entender que um jovem em surto não é um criminoso, mas alguém em sofrimento agudo. 

Para a família, o impacto é devastador. Estamos falando de um luto traumático que dificulta o processo de Aceitação (não como resignação, mas como reconhecimento da realidade) e o retorno aos seus Valores de vida. Como confiar no mundo novamente? O meu trabalho em casos com complexidade, envolve justamente ajudar essas famílias a reconstruírem um senso de "Eu" que foi estilhaçado pela violência institucional.

O caminho é desenvolver protocolos assertivos que tenham potencial para salvar vidas e não ceifá-las. Precisamos de equipes de intervenção em crise que saibam usar o repertório verbal, a escuta, acolhimento e o manejo clínico, não o gatilho. Saúde mental é saúde, não é caso de polícia.


Sobre a Autora: Thaline Lima é psicóloga clínica, com registro 10023/20 CRP, especializada em Neuropsicologia, Políticas Públicas e Direitos Sociais. Sua prática clínica utiliza a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) para ajudar pessoas a navegarem por sofrimentos intensos e dias difíceis, devolvendo-lhes a autonomia e a capacidade de viver uma vida valorosa.

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