Arrastada pela Brutalidade: A Dinâmica da Posse e a Violência contra a Mulher

Arrastada por 1 km. A notícia da Marginal Tietê, em São Paulo, nos paralisa pela crueldade. Um homem atropela a namorada e a arrasta, ignorando a humanidade dela. Como psicóloga, analiso esse ato para além da barbárie: ele é o sintoma máximo da objetificação feminina e da incapacidade masculina de lidar com a frustração. A frustração de entender que a mulher não é seu objeto e não pode o encarar como capaz de controlá-lo.

Os dados gritam que O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídios (Dados ONU, 2014). Em média, de 2023 a 2024, foram quatro mulheres vítimas de feminicídio em 24 horas (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2025). A violência contra a mulher não começa no assassinato, ou no ato do atropelamento, como pode “confundir” a matéria, mas possui uma cadeia, uma escala de acontecimentos que a elevam ao lado mais extremo e bárbaro para eliminar a mulher. E, muitas vezes, escala justamente quando a mulher tenta exercer sua autonomia, rompendo o relacionamento.

Na Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), analisamos como a necessidade de controle sobre eventos internos (como a raiva, o ciúme ou o medo do abandono) pode levar a ações destrutivas no mundo externo. Hipoteticamente analisando o caso, observo que o agressor demonstra uma Fusão Cognitiva total com a ideia de posse: "Se ela não é minha, não será de ninguém" ou "Eu preciso controlar essa situação a qualquer custo". Há uma total ausência de Flexibilidade Psicológica. Em vez de lidar com o desconforto emocional do término ou do conflito, ele age para aniquilar a fonte do desconforto: a mulher. Elevando ao extremo sua rigidez de ver o mundo. Para as vítimas que sobrevivem, o caminho terapêutico envolve reconectar-se com o momento presente e com seus valores, saindo da paralisia do medo para a Ação Compromissada de reconstrução da própria vida.

Este caso nos lembra que a violência de gênero é um problema de saúde pública e psicossocial. O trabalho terapêutico com mulheres em situação de violência é vital para que elas percebam os sinais de rigidez, fortaleça sua rede de apoio, sua autonomia e tenha ferramentas para sair do contexto problemático antes que o desfecho seja trágico. A violência deixa marcas profundas, mas a recuperação é possível com o suporte certo. Envie esse texto para uma mulher que precisa saber que ela não está sozinha.


Sobre a Autora: Thaline Lima é psicóloga clínica, com registro 10023/20 CRP, especializada em Neuropsicologia, Políticas Públicas e Direitos Sociais. Sua prática clínica utiliza a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) para ajudar pessoas a navegarem por sofrimentos intensos e dias difíceis, devolvendo-lhes a autonomia e a capacidade de viver uma vida valorosa.

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