Muito Além da Jaula: Quando o Estado Criminaliza o Sofrimento e Ignora a Dor
A imagem de um homem entrando na jaula de uma leoa chocou a Paraíba e o Brasil. Minha perspectiva como psicóloga que atende casos em saúde mental de complexidade não se limita a parar no "espetáculo" da tragédia. Eu busco e olho para o histórico, o contexto e o social. O que vemos ali não é apenas um "surto aleatório" ou “ao acaso”, é o desfecho fatal de uma vida de esquiva experiencial imposta pela negligência estatal.
A Realidade Social mostra dados que apontam o Brasil vive uma crise silenciosa de desassistência em saúde mental, especialmente para populações vulneráveis. Quando o sistema trata um adolescente periférico em sofrimento psíquico como um "infrator" e não como um paciente, ele retira desse jovem a possibilidade de construir uma vida baseada em valores. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2022), a população carcerária brasileira é majoritariamente jovem, negra e pobre, muitos com transtornos mentais não diagnosticados ou não tratados. O Estado brasileiro tem o hábito de responder à dor mental com algemas, não com acolhimento.
Na Visão da ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso), falamos muito sobre Desesperança Criativa e a busca por sentir algo diferente do que se sente. Aquele jovem, historicamente rotulado como "problemático" ou “infrator”, pode ter vivido uma fusão cognitiva severa com a ideia de que sua vida não tinha valor ou saída. O comportamento dele ao entrar na jaula pode ser lido como um ato extremo de quem não possuía repertório comportamental e condição psicológica para lidar com a dor de existir em um sistema que o rejeitava. Não havia um "Eu" observador seguro, porque o ambiente nunca ofereceu segurança.
Precisamos parar de olhar para o suicídio ou o surto psicótico como falhas individuais. Em casos de alta complexidade, a intervenção precisa ser sistêmica. Enquanto tratarmos pacientes psiquiátricos como casos de polícia, continuaremos empurrando pessoas para dentro das jaulas, sejam elas literais ou metafóricas.
Sobre a Autora: Thaline Lima é psicóloga clínica, com registro 10023/20 CRP, especializada em Neuropsicologia, Políticas Públicas e Direitos Sociais. Sua prática clínica utiliza a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) para ajudar pessoas a navegarem por sofrimentos intensos e dias difíceis, devolvendo-lhes a autonomia e a capacidade de viver uma vida valorosa.