A CEO na Rua, a Refém em Casa: Entenda o Desamparo Aprendido em Mulheres de Alta Performance

Você gerencia crises na empresa com frieza cirúrgica. Lidera equipes, toma decisões financeiras complexas, cuida da logística dos filhos e mantém a "máquina" da família girando. Quem te vê de fora, enxerga uma mulher inabalável, uma fortaleza.

No entanto, quando a porta de casa se fecha e a dinâmica do relacionamento tóxico começa, essa mesma mulher se sente incapaz de reagir. Diante das críticas dele, do silêncio punitivo ou da agressão velada, suas pernas pesam toneladas. A clareza mental que você tem no trabalho desaparece, dando lugar a uma névoa de confusão e paralisia.

A pergunta que te assombra nas madrugadas é: "Como eu, que resolvo tudo lá fora, não consigo resolver isso aqui dentro?"

A resposta não é fraqueza, nem falta de inteligência. A resposta é um fenômeno neuropsicológico chamado Desamparo Aprendido.

A Anatomia da Paralisia

O conceito de Desamparo Aprendido (Learned Helplessness), desenvolvido pelo psicólogo Martin Seligman, descreve o estado de um ser vivo que, após ser exposto repetidamente a estímulos aversivos incontroláveis, desiste de tentar escapar, mesmo quando a saída se torna óbvia e acessível.

No contexto de um relacionamento abusivo, isso não acontece do dia para a noite. É uma construção lenta e perversa. No início, você tentou dialogar. Tentou colocar limites. Tentou agradar. Tentou mudar. Mas, independentemente da sua ação, o resultado foi dor, desprezo ou invalidação.

O seu cérebro, num mecanismo de defesa primitivo, "aprendeu" que suas ações não alteram o resultado. Para economizar energia e sobreviver ao estresse crônico, ele desliga a chave da reação. Você entra em um estado de congelamento (freeze).

O Peso da "Dupla Identidade"

Para mulheres com carreiras consolidadas e alta responsabilidade, o Desamparo Aprendido traz uma camada extra de sofrimento: a vergonha.

Existe uma dissonância cognitiva brutal entre a profissional competente e a parceira submissa. Para sustentar essa dualidade, você gasta uma energia psíquica imensa. Você dissocia. Veste a armadura para o mundo corporativo, mas volta para casa despida de qualquer proteção emocional. Isso não é apenas exaustivo; é insustentável a longo prazo e abre portas para quadros de ansiedade generalizada, depressão e doenças psicossomáticas.

A Saída: A Abordagem da Psicologia para Casos Complexos

Muitas pessoas dirão a você: "É só sair", "Você precisa se valorizar". Conselhos simplistas não funcionam porque o Desamparo Aprendido é uma alteração na forma como você processa a realidade e compreende o seu “Eu”.

Como psicóloga que atende casos de Saúde Mental de Complexidade, meu trabalho não é julgar sua paralisia, mas ajudar seu sistema nervoso a "reaprender" a possibilidade de ação.

Na minha prática clínica, utilizo a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) para te ajudar a desarmar essa armadilha em três etapas fundamentais:

1. Desfusão Cognitiva (Sair do Pensamento e Entrar na Vida): Nós trabalhamos para que você perceba que pensamentos como "eu não consigo viver sem ele" ou "a culpa é minha" são produtos de um pensamento condicionado pelo trauma, e não verdades absolutas. Você aprende a observar esses pensamentos sem ser controlado por eles.

2. Contato com o Momento Presente e o "Eu Observador": Ajudo você a reconstruir uma identidade que não esteja fusionada com o abuso. Quem é você além desse relacionamento? Quem era você antes dele? Resgatar essa parte preservada do seu "Eu" é vital para recuperar a força.

3. Ação Compromissada e Valores: Não focamos apenas em "sair da relação" como um salto no escuro. Focamos em reconectar você com seus Valores. O que importa para você? Liberdade? Respeito? A saúde mental dos seus filhos? A partir desses valores, construímos pequenos passos de autonomia. Ensinamos ao seu cérebro, pouco a pouco, que a porta da gaiola está aberta e que suas ações têm impacto.

Um Convite à Reconstrução

Se você se reconheceu nessas linhas, quero que saiba de algo importante: o fato de você estar paralisada hoje não anula a sua força. O desamparo foi aprendido, e a autonomia pode, e deve, ser reaprendida.

Sair desse ciclo exige mais do que vontade; exige estratégia e suporte técnico especializado. Você já carrega o mundo nas costas lá fora. Aqui, na psicoterapia, o espaço é para você soltar esse peso e reencontrar a mulher que você nasceu para ser.


Sobre a Autora: Thaline Lima é psicóloga clínica, com registro 10023/20 CRP, especializada em Neuropsicologia, Políticas Públicas e Direitos Sociais. Sua prática clínica utiliza a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) para ajudar pessoas a navegarem por sofrimentos intensos e dias difíceis, devolvendo-lhes a autonomia e a capacidade de viver uma vida valorosa.

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